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Maputo
Nas nossas viagens fazemos todos os possíveis por trazer connosco alguma coisa que nos fale do país que visitámos. Algum objecto, já que não podemos trazer connosco os sabores, os cheiros e aqueles sorrisos doces com que somos tantas vezes recebidos, embora algumas fotos consigam fazer alguma justiça a essas fisionomias deliciosas.
Mas como ia dizendo, um objecto que tenha alguma utilidade prática ou decorativa e assim ocupe um lugar digno na nossa casa. Na nossa última visita a Moçambique trouxemos umas capulanas que vão servir de fronhas para uns almofadões que alegram a nossa sala de estar. Trouxemos também uns aneis de madeira para servirem de anilhas para o lenço de escuteira da nossa neta e que ela usou prontamente para mostrar às amigas uma coisa que elas não tinham... garotos, né? Tivemos sorte de encontrar, mas depois de muita busca infrutífera, inclusive na Feira do Artesanato em Maputo, mais umas coisas, dando assim um pouco de negócio a gente que, aos nossos olhos, tinha muito talento artístico, embora o seu trabalho parecesse muito restrito a modelos feitos por todos ou copiados por todos os outros vendedores. Mas predominando no meio de todo aquele artesanato, vimos óculos escuros, pulseiras de isolante de fio de telefone em PVC, e roupa de poliéster com desenhos e etiquetas duvidosas. Vimos pela rua muitos vendedores tentando impingir óculos Ray Ban ou Dolce Gabbana, genuinamente fabricados na China, e vendidos por mercadores do Senegal e outros países, assim os identificaram os locais. O sentimento que nos aflorou no peito foi – tanto talento desperdiçado. Quem é que vai querer comprar esta mercadoria que pode ser comprada na loja do Chinês lá na nossa terra? Porque não vemos objectos de utilidade prática ou decorativa mas mais inovadores ou com sabor local mas explorando formas e cores e espaços artísticos mais atraentes? Não sei como melhor expressar este espaço artístico que a meu ver é muito mais atractivo e não está a ser explorado. Vimos o mesmo em Cabo Verde. Cabo Verde tem pouco artesanato. Este limita-se a bonecas de trapo, alguma cerâmica e panos de terra. Mas nas lojas não se encontram estes artefactos, embora haja à venda montes de óculos de sol Ray Ban e Dolce Gabbana, também originários da China. No hotel onde ficámos havia umas bonecas parecidas com as de trapo mas feitas em São Salvador da Baía. Não tenho nada contra elas, além do preço que era astronómico e o facto de nada terem a ver com Cabo Verde. Este cenário pode ser aplicado a muitos mais países por onde temos passado. E perante estes cenários eu questiono - quantos destes cacarecos pode aquela gente vender? Como podem fazer uma vida digna neste tipo de negócio? Ou será que à noite têm outras fontes de receitas menos legítimas? Se calhar... uma actividade pode tornar a outra imperativa. Aquela gente tem arte. Aquela gente tem talento. Mas falta-lhe criatividade que os permita explorar horizontes para além da capulana local ou humildes imitações do Malangatana. E faltam-lhe os horizontes. Esses horizontes não podem existir num dia-a-dia cheio de viagens de chapa da periferia até à marginal, montagem da barraca, desesperantes esperas por um turista, desmontagem da barraca, e de novo outro percurso longo de chapa até à periferia onde têm de descansar, alimentar-se e seleccionar o produto a ser vendido no dia seguinte. A arte to artesanato tem sido alvo de muitas explorações artísticas com resultados muito atraentes, não só para o turista, como até para uma classe de consumidor mais exigente. Mas essas explorações só podem acontecer se houver um ambiente de criatividade que sirva para abrir os horizontes mais espaçosos. Esse ambiente de criatividade pode ser criado de muitas formas. Mas escolas e workshops são as duas ferramentas que vêm à mente de imediato. Há muito talento em Moçambique. Parece-me não haver o efeito a que eu chamo de osmose, porque acontece por proximidade e contacto. Não parece haver osmose com outras regiões do país, nem com o resto do mundo, nem com as autoridades e entidades ligadas à arte e ao comércio. Assim sendo, estes artistas fazem o que sabem e não o que podem. Podem muito mais, mas não se lhes proporcionam os horizontes necessários para que a sua criatividade e habilidade artesanal possa criar trabalhos muito mais atraentes e muito mais rendosos. E é pena! Fernando Aidos
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